Não quero que fiquem a pensar que sou daquelas pessoas que regozija com a desgraça alheia. Daquelas que tomam alento na tragicomédia do próximo para esquecer a sua. Não, eu não sou assim. E, tirando o olhar constrangedor de um ou outro vizinho (que pode ter acontecido mas também pode ter sido fabricado por mim), já estou recuperada do episódio de ontem. Aquela parte em que fiquei à espera que a D. Maria - minha vizinha do lado - fechasse a porta para eu sair... não conta. Ela tem 84 anos, se calhar nunca tinha visto umas cuecas assim... Esqueçamos isto (para sempre).
O senhor João - chamemos-lhe assim - é um homem de meia idade que trabalha, por turnos, numa fábrica aqui perto. É um homem de poucas palavras, embora tenha um ar simpático. A senhora sua mulher é apreciadora de vegetais frescos e, por isso, frequentadora assídua da praça. Volta e meia o senhor chega a casa, depois de fazer o turno da noite, e tem um bilhetinho da mulher na porta, a dizer: "Querido, fui à praça. Não demoro." Uma dona de casa aprimorada que faz o sacrifício de se levantar cedíssimo, em prol de uma alimentação mais saudável para toda a família, é um mimo. Aqui há uns tempos o Sr. João magoou-se numa das máquinas. Cortou uma mão. Nada de grave, mas teve de levar uns pontinhos. Quando chegou a casa lá estava o bilhetinho do costume na porta.