terça-feira, 20 de agosto de 2013

A Gaiola Dourada e a francesa espavorida

Faz hoje oito dias, apeteceu-me ir ver “A Gaiola Dourada”. A mancha humana que aguardava em frente à bilheteira do cinema denunciava uma audiência bilingue muito espevitada. Fila j, lugar 14, done! De um lado um casal com ar amistoso (sem pipocas) e do outro a escadaria. So far, so good. Na altaneira fila J tinha uma visão privilegiada sobre a sala que se ia enchendo de gazelas desgovernadas, graças ao complicadíssimo(?) sistema de letras e números para localização dos cómodos. Quando o filme começou ainda havia um casal por sentar e os meneios acrobáticos da senhora deixavam perceber que não estava para se sentar duas filas abaixo do amado. A moça que controlava as entradas é chamada a actuar e dá-se início à comédia antes da comédia propriamente dita. O filme pára, a iluminação sobe e a Rita Blanco fica suspensa na tela a puxar o seu trolley axadrezado. E assim ficou, até que os prevaricadores tivessem sido postos na ordem, literalmente. "Os senhores não são aqui, são acolá" - e apontava para o outro lado da sala onde, confortavelmente instaladas, estavam outras pessoas que eram num outro "acolá", e assim sucessivamente até que o casal se pôde sentar nos lugares vizinhos que lhes eram devidos. Comecei por sentir uma asfixiante vergonha alheia e, na esperança de desaparecer dentro de mim própria, deixei-me deslizar na cadeira. Fiquei nessa altura com uma visão privilegiada sobre as inquietas madeixas loiras da jovem sentada à minha frente que, quando identificada como uma das prevaricadoras, levantou os braços e soltou um quase histérico “je suis française!” que, por ter soado a um desesperado “exijo imunidade”, levou a parte não prevaricadora da plateia ao rubro e fez escorrer a minha asfixiante vergonha alheia para dentro da alcatifa. Quando recordo o tom de pânico com que a declaração patriótica foi feita sinto um enorme remorso por não ter esticado o braço para lhe afagar as madeixas reluzentes e sussurrar um aquietador “tout va bien, tout va bien”. Na altura não me ocorreu, “putain” de falha.
Concluída a marcha dos desalinhados a moça-inspectora-de-pessoas-mal-sentadas desceu a escadaria ao som de palmas, a iluminação baixou e a Rita Blanco - alheia a todo este episódio deprimente mas extremamente divertido - lá foi à sua vidinha com o seu "boby" axadrezado.

Por muito incrível que possa parecer, a restante visualização do filme decorreu na santa paz do Senhor. Ámen.

3 comentários: