domingo, 26 de setembro de 2010

Ainda não se chamava pedofilia.

Quando eu andava no quinto ano a disciplina que mais odiava era Música. Odiava aquelas aulas. Aliás, na turma, ninguém gostava das aulas de música. Nem das aulas e nem do professor.
Era uma personagem estranha. Envergava roupas escuras que, associadas à bengala com que se locomovia, lhe davam um ar sinistro. Praticamente não utilizava uma das mãos, andava sempre pendurada, como se não conseguisse controlar os seus movimentos. Provavelmente tinha sido vítima de um AVC, ou coisa do género, porque o braço morto, digamos assim, era o braço do lado da perna que coxeava.
Sempre que o senhor – chamemos-lhe assim – se atrasava ficávamos todos muito contentes. A desilusão, quando ele aparecia lá ao fundo a arrastar-se, era a dobrar!

Ninguém percebia muito bem o que ele ensinava. Não que os conteúdos da aula fossem muito difíceis, mas parecia que a tensão existente no ar nos toldava a concentração. Ninguém gostava de ir ao quadro. As meninas eram chamadas com maior frequência do que os meninos. As menos desenvolvidas fisicamente, não iam tantas vezes. Era uma selecção que, na nossa inocência, nos confundia. Eu, infelizmente, cresci muito depressa!

Quando os rapazes erravam algum exercício, levavam um estalo. Um estalo com toda a força que um homem de 40/50 anos consegue dar. No caso das meninas, a violência era outra: tinham de se sentar no colo do professor! E enquanto ele nos explicava onde tínhamos errado, com a cara quase encostada à nossa, as suas mãos iam percorrendo a nossa minúscula cintura e as nossas singelas pernas. O ar paternal que simulava não era suficientemente genuíno para enganar crianças de 10/11/12 anos. Todos se mantinham em silêncio.
Percebíamos que havia ali algo que não estava bem, mas não sabíamos exactamente o quê. Só sabíamos que não gostávamos do professor de música e ponto final.
Que eu tenha conhecimento, as coisas nunca foram além disto, mas isto já era suficientemente desconfortável para nós.
Muitas vezes tentei convencer-me que ele era querido e gostava muito de nós. E que um padre (sim, ele era padre) jamais nos faria algum mal! Mas o que é certo é que, no sexto ano, fiquei muito feliz por ter um professor diferente. Muito feliz mesmo!

Há cerca de 20 anos ainda não se falava em pedofilia, mas isto era capaz de não andar lá muito longe!
Não, não fiquei traumatizada, mas preferia nunca ter conhecido este padre/professor que coxeava e que, sentado na sua cadeira, batia com a mão (viva) na perna e dizia: “vá, senta-te aqui”.

E agora para desanuviar (eu preciso):

Pra quem já tinha levado na tromba da professora primária (porque estava a “pintar” os lábios com o meu batom-lápis-de-cera-vermelho), levar com este energúmeno logo no quinto ano… É DOSE!! Mas eu sou “fote”.

2 comentários:

  1. As "coisas" quase sempre existiram, não se falava era no assunto, porque muito provavelmente a culpa ainda seria "nossa" e levaríamos pancada. :/ O Padre da nossa paróquia também adorava dar-nos "palmadinhas" no rabo, mas só às meninas o que tornava a situação estranha na nossa mente.

    ResponderEliminar
  2. Infelizmente, histórias destas são mais frequentes do que aquilo que pensamos! Muitas vezes as crianças são confiadas a pessoas supostamente fiáveis (familiares, professores, padres, amas...) e... Enfim!

    ResponderEliminar